Coincidentemente, naquele dia, um colega de trabalho me viu, já indo embora, e me perguntou: “Luquinha, essas coberturas trágicas mexem com o seu emocional?”
Eu nem precisei pensar duas vezes pra responder que sim. “Cara, às vezes chego em casa destruído”, completei. Essa, inclusive, era a minha sensação naquela sexta-feira. A semana tinha sido tensa e pesada por conta da tragédia em Franco da Rocha, na Grande São Paulo. Não bastasse o assunto, que já era triste, ainda teve o episódio que contei aqui, na semana passada, do morador que me ofendeu enquanto eu trabalhava.
No nosso último dia de cobertura, acompanhamos a retirada de um dos corpos. Assim que os bombeiros perceberam que havia gente naquela área, deram ordem pra retroescavadeira parar de funcionar imediatamente. A partir dali, o trabalho foi todo manual. Com o uso de pás e de outras ferramentas, eles iam tirando o excesso de lama e, aos poucos, removendo a vítima dos escombros.
Foi uma das cenas mais fortes que já vi na vida. O clima era péssimo. A energia, baixíssima. Assim que confirmamos o encontro de mais um corpo, entrei, ao vivo, no Balanço Geral Manhã para atualizar o número de mortos. Eram 13, naquele momento. Eu dividia o meu olhar entre a câmera e a cena, lá embaixo. Tanto, que entrei no ar, exatamente, assim.
Era óbvio que a gente não mostraria a imagem, às 5h53 da manhã, sem o devido cuidado. Ao vivo, estava fora de cogitação compartilhar aquela cena com o público. “Os bombeiros estão descendo, agora, com a maca e o Thiago Martins vai mostrar, somente, a maca. Não o trabalho de retirada”, alertei o apresentador Eleandro Passaia e o público da Record.
O tempo todo, pedia cuidado ao repórter cinematográfico, Thiago Martins. Embora não precisasse, já que ele, além de experiente, sabe olhar a notícia com a sensibilidade que ela merece, achei importante reforçar isso durante o ao vivo. Até para que o telespectador tivesse a certeza de que o nosso trabalho é feito com respeito e responsabilidade.
Não sou o tipo de repórter que faz questão de observar, atentamente, cenários de tragédia. Explico. Se eu puder evitar ver um corpo estirado no chão, eu vou evitar. Não acho que ver uma pessoa morta acrescente alguma coisa à notícia. Basta que eu tenha essa confirmação da fonte.
É claro que nem sempre isso é possível. Já cobri acidentes em que precisei me posicionar, praticamente, ao lado da vítima pra conseguir gravar num ângulo possível. Esses dissabores fazem parte da profissão. Mas quando tenho a opção de escolha, opto pela distância.
Sinceramente, admiro repórter que consegue deixar a notícia onde ela está e não a leva consigo pra casa. Eu tento fazer esse exercício, mas nem sempre é possível. Alguns casos chocam e mexem com o nosso emocional. Os dramas da vida real servem, muitas vezes, pra gente testar nossa empatia e aprender a se colocar no lugar do outro.
Naquela exaustiva semana de cobertura da chuva, em Franco da Rocha, toda minha rotina foi alterada. Primeiro, pela questão da logística. Saímos tarde todos os dias e fomos embora, pra casa, depois do horário. Segundo, pelo próprio cansaço físico e mental. Eu chegava destruído, sem pique pra ir à academia, por exemplo. Depois do banho, me rendia ao sofá, aos mimos da minha namorada e a filmes e séries a tarde inteira. Era uma válvula de escape porque eu sabia que o dia seguinte seria parecido.
Tudo, sempre, tem seus prós e contras. Começando pelo último, a vida pessoal, muitas vezes, se confunde com a profissional. Eu, pelo menos, demoro um pouco pra me desligar do trabalho e de assuntos que me comovem. Por outro lado, lidar com esse tipo de sentimento me faz perceber que o ofício ainda não me engessou. Se me incomoda, me alegra ou me entristece é porque, por trás do microfone e debaixo do terno e da gravata, existe um ser humano, tão humano quanto você.
2022-02-10 03:01:02